quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

As mãos que continuam...

Então resolvo ler postagens antigas... não é difícil, pois nunca escrevi muito aqui. Descubro então uma postagem de 2010 que menciona o termo "labirinto de linhas que mora na minha mão"... Então eu penso: É ISSO!
Hoje depois do TCC da Samira, uma série de discussões, muitas delas a partir do uso do termo performance, que diga-se de passagem, eu também utilizo na minha pesquisa. Então eu defendo que faço performance e que faço teatro... mas principalmente, eu totalmente indefesa, digo que faço ISSO, e que ISSO já mora em minhas mãos há muito tempo!

Inquietações

Hoje, ou melhor, ontem... é que ainda não dormi, houve o processo de apresentação e defesa dos TCC's da graduação em Dança da Uergs. Diferente do processo do Teatro, em que além da apresentação artística, realizamos apenas a defesa da pesquisa, a arguição, incluindo o conceito atribuído ao trabalho aconteceram na sequência da performance, no mesmo dia. Foi um processo intenso e maravilhoso, inquietante. Sou grata aos colegas artistas pelas inúmeras reflexões! Sou grata! Estou grata... Grata e inquieta!

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Algo que li e quero partilhar...

Páginas 319 e 320 de A Brincadeira de Milan Kundera. Este livro está disponível na biblioteca do Café da Estação em Montenegro.

E no entanto, para conseguir na época esse corpo desesperadamente desejado, teria bastado uma coisa muito simples: compreendê-la, orientar-se por ela, amá-la, não apenas pelo aspecto da sua personalidade que se dirigia a mim, mas também por tudo aquilo que não me dizia respeito de modo direto, pelo que ela era em si e para si. Eu não sabia disso, e por isso fiz mal à nós dois. Uma onda de raiva contra mim mesmo me inundou, raiva contra minha idade de então, contra a estúpida "idade lírica", em que somos a nossos olhos um enigma grande demais para que possamos nos interessar pelos enigmas que estão fora de nós, em que os outros (mesmo os mais amados) são apenas espelhos móveis nos quais encontramos, espantados a imagem de nosso próprio sentimento de nossa própria emoção, de nosso próprio valor. É, durante esses quinze anos, pensei em Lucie apenas como no espelho que guarda minha imagem do passado!

Para que cheguemos em algum lugar, para que haja o lá, ou simplesmente... o que entendo de sentir-me livre.

Quando concluímos uma etapa importante sentimos um alívio, uma sensação de realização profunda. O caminho que escolhi para minha pesquisa de TCC, não foi fácil, mas representou muito mais do que uma pesquisa da graduação. Se abriu para mim, um caminho que desejo trilhar. Agora penso em raízes, mãos e labirintos... penso também em Carlota Ivanóvna, minha personagem no "Jardim das cerejeiras". Carlota tem asas no lugar de raízes, ou talvez suas raízes voem por aí. Nela, se fixa aquilo que se move, que não pode ser capturado, só se pode investigar. Ela é um mistério para mim, aos poucos eu a decifro e à medida que o faço, mais me aproximo e mais algo dela me escapa. É maravilhoso fazer teatro, é maravilhoso saber e não saber. No dia 15 de outubro nos apresentamos no presídio, foi um dia antes da pré-banca. No presídio jardinamos dentro de um pátio cercado, com pessoas fortemente armadas e amáveis, dentro de um sol escaldante, diante de lindas mulheres, que privadas da liberdade, riram e choraram conosco.
É lindo, foi lindo. Ao final, as belas mulheres falaram de suas impressões, nos revelaram algo de seu jardim e nos perfumaram com suas palavras. Senti a beleza de árvores derrubadas, senti que brotavam em mim. 

Liberdade é uma palavra traiçoeira, enganosa. Aquele dia, em um presídio, diante de belas mulheres, eu vi a liberdade, e ela me deu um tapa.

5 de dezembro ... "A Brincadeira"

Meu primeiro contato com o autor Milan Kundera veio através do livro A Insustentável leveza do ser, eu não o li, apenas devorei. No início do processo de pesquisa do TCC, ainda pensando que ter me deslocado da pergunta Quem foi meu pai?  Para Quem foi minha mãe? Resultasse na resposta uma mulher, abrindo assim caminho até outras mulheres, tive o prazer de começar a ler A Brincadeira. Quanto a este Kundera revela:

"Um dia, em 1961, fui visitar alguns amigos na região mineira onde eu vivera em outros tempos. Eles contaram-me a história de uma jovem operária presa porque roubava flores para dar a seu amante. Sua imagem não me abandonou mais, e diante de meus olhos desenhou-se o destino de uma mulher para quem o amor e a carne eram mundos separados, para quem a sexualidade era o oposto do amor. Uma outra imagem surgiu como contraponto à da ladra de flores: um longo ato de amor que era, na realidade, apenas um soberbo ato de ódio. Assim nasceu a história do meu primeiro romance, terminado em dezembro de 1965 e intitulado A Brincadeira."

Comecei a ler o livro na minha casa em Porto Batista, logo no começo de agosto. Nesta época lia muitos enunciados diferentes acerca das mulheres, muitos destes escritos por homens. Cheguei a adiquirir o livro Mulheres do Charles Bukowski, ao qual confesso não tive tempo de ler ainda. Se houvesse a palavra mulher, mesmo sem saber o que era direito, eu lia. Acredito que quando estamos em busca de algo, e ainda não sabemos ao certo como nos aproximar deste, corremos para todos os lados, até que um dia, sentamo-nos para descansar e descobrimos que o algo estava ali, parado na sombra de nossos cílios, o tempo todo. Foi assim com minha Mulher, minha mãe. Me desviei dela em todas as direções, até perceber que todas as direções se voltavam a ela. Mas, voltemo-nos a Milan Kundera. Bem, uma vez tendo descoberto a direção Mãe de minha pesquisa no Labirinto, talvez mesmo antes disso, abandonei a leitura de A Brincadeira. O livro não estava nem na metade, era extremamente interessante, mas eu tinha que ler tanto, tantas outras coisas, que não havia tempo para me concentrar em sua poesia. E sabe, não fazê-lo seria um crime ainda maior do que fazê-lo pela metade. Sendo assim, segui meu rumo em minha pesquisa, que culminou com o que chamei de o centro do meu Labirinto, na apresentação e defesa do processo artístico da investigação de minha prática performática da memória, que ocorreu no dia 5 de dezembro, às "5" da tarde. 
Passado ISSO, voltei para Porto Batista e lá no antigo armário azul que pertencera minha vó, olhei para Kundera, que me olhou de volta e então pensei: é agora! Comecei a ler no domingo, voltei pra Montenegro na segunda, trazendo A Brincadeira junto. Voltei-me para as atividades que deveria fazer e na terça, finalmente brinquei de ler de novo. Fui até de madrugada, dia 11/12/13 e quando cheguei a última página, última linha, li em itálico.
Concluído em 5 de dezembro de 1965.

O livro foi lançado em 1967, mas foi no dia 5 de dezembro de 1965, que Kundera concluiu este primeiro romance. Me senti mais próxima do autor, que brincara comigo através de sua escrita no começo do labirinto e que ao final reticente desta pesquisa, revelou-me ter estado no centro do seu, num dia 5 de um dezembro qualquer. Desconfio que os centros de alguns labirintos, tem o mesmo dia para algumas pessoas e que, uma vez atingindo a conclusão de uma etapa e chegando ao centro no dia marcado, não importa se  em 2013 ou 1965 (visto que penso o tempo como espiral e não linear), nos ondulamos juntos e estabelecemos uma dança com aquele momento e tudo o que ele é, foi e será. ISSO aconteceu, porque em alguma medida, sem que eu desconfiasse de nada, Kundera se escondia nas coxias, numa doce brincadeira.